Tudo que eu tenho passado com a minha perda auditiva e a surdez do meu filho mais novo, tem me colocado num caminho de um grande desejo em aprender tudo que é relacionado à nossa audição. Eu amo ouvir histórias de outras pessoas nesse mundo, conectar com outros pais e mães de filhos que são surdos ou tem perda auditiva. Eu tenho aprendido a linguagem de sinais e mais sobre a comunidade surda. Eu tenho curiosidade sobre o a tecnologia nos trás e participo de grupos de suporte.
Eu já vivenciei 100% de audição natural, ter audição somente em um ouvido, ouvir com um aparelho auditivo e com o BAHA. Eu já vivi ter a minha audição recuperada através de cirugia, mas somente durar alguns dias e perceber que aqueles dias seriam tudo que eu conquistaria com o procedimento escolhido. Eu já passei por um dos momentos de escolha mais difíceis da minha vida: decidir se meu filho deveria colocar o Implante Coclear ou não. Eu já senti negação, tristeza, esperança e coragem. Eu já implorei e chorei pedindo ajuda e senti gratidão àqueles que cruzaram meu caminho me trazendo suporte. Ao mesmo tempo, fiquei grata e feliz quando as minhas próprias experiências serviram de ajuda e exemplo na vida de outros que passaram por experiências parecidas.
Minha perda auditiva não me define, e sim é uma parte de mim. Ainda mais que isso: me empodera. O meu caminho tem sido sim uma grande novela, mas eu aprendi à amar cada passo. Esses são “My luckyears”
inha infância, por grande parte, foi igual à maioria das famílias de classe média do Brasil. Eu não ficava mais doente do que outras crianças, mas meus pais dizem que tive infecção nos ouvidos recorrentemente e que era tratada com antibióticos. Isso pode ter sido o começo de tudo, mas eu jamais saberei ao certo.
Eu nunca havia percebido que eu tinha deficiência auditiva, mas em algum momento durante a minha adolescência, começaram a me dizer que eu não estava respondendo quando alguém tentava chamar minha atenção. Durante uma visita ao médico, o otorrino me disse que eu tinha uma “pele” crescendo dentro do meu ouvido médio, uma condição chamada Colesteatoma que tem tendência à ocorrer devido a recorrentes infecções no ouvido. Essa pele já havia corroído partes dos meus ossinhos do ouvido direito e perfurado meu tímpano. Foi marcada uma cirugia para remover o Colesteatoma e consertar o tímpano. Segundo o otorrino, se eu ignorasse o problema, eu eventualmente ficaria surda desse ouvido.
Eu tinha 17 anos quando tive a primeira de diversas cirurgias. Até esse momento, eu nunca havia achado que a minha perda auditiva tivesse qualquer impacto no meu estilo de vida. Mas tudo mudou quando acordei após esse procedimento. Pela primeira vez eu estava tendo muita dificuldade em ouvir. Os sons me pareceram baixos, abafados e distantes. Além disso, havia esse terrível apito, como se várias notas de um pianos estivessem sido pressionadas ao mesmo tempo, constantemente sem nunca parar. “Tenha paciência, faz parte do processo de cura.”, me disseram. Eu fechei os meus olhos cheios de lágrimas e tentei dormir, na esperança que esses dias de “cura” passassem logo.
Eles nunca passaram.
Algo deu errado durante a cirurgia. O cirurgião não sobe explicar o porquê, era um desses casos inexplicáveis que acontece com menos de 1% da população que faz essa cirurgia, ele me disse. Meu ouvido direito havia desligado completamente, como um interruptor quebrado. Eu tenho essa imagem na minha mente das células ciliadas da minha coclear queimadas, como um experimento mal feito com fósforo e fio de cabelo. Aquele ouvido jamais funcionará novamente, e pior ainda, eu teria que me acostumar a viver com apitos.
Como a maioria dos seres humanos, a aprendi a me adaptar e lidar com somente um ouvido funcionando, mas a vida passou a ficar mais complicada. Eu havia perdido o meu senso de direção e estar na frente de uma audiência me deixava suando frio. Eu temia apresentações de escola, discussões em grupo ou qualquer situação em que eu estivesse no ponto de foco. Eu me sentia uma tola quando falavam comigo e eu não sabia quem era, aonde ela estava localizada e às vezes até o que ela havia dito.
Apesar dos meus novos desafios, eu enfrentei aprender uma nova língua e me mudei para São Francisco, Califórnia. Naquela época eu já havia entendido e aceitado que é assim que eu iria ouvir pro resto de minha vida.
Quando eu tinha 24 anos, algo novo passou a ocorrer comigo. Eu deitava na cama à noite e um barulho suave, como um whoosh, whoosh, whoosh surgia e ia aumentando de tamanho repetidamente, noite após noite. No começo eu não sabia se estava realmente lá. Será que era parte do apito? Mas conforme as semanas foram passando, ficou óbvio que algo estava acontecendo no meu ouvido esquerdo. Era urgente que eu fosse checar.
O otorrino me disse que o Colesteatoma estava dentro do meu ouvido médio e precisava ser removido senão eu teria perda auditiva total. Devido a minha experiência com a cirurgia passada, eu morri de medo de ter o mesmo resultado. Mas não fazer nada era pior que arriscar.
A cirurgia revelou que o Colesteatoma havia corroído todos os três ossinhos do meu único ouvido ouvinte. Esse ossinhos são responsáveis pela amplificação das ondas de som. Sem eles, não há como o som chegar na coclear o que resultou uma redução da minha audição naquele ouvido. O cirurgião fez um ótimo trabalho em limpar o colesteatoma do meu ouvido e quis já marcar outra cirurgia para colocar uma peça protética para substituir os ossos que foram corroídos.
Com medo de arriscar mais perda auditiva da pouca que eu ainda tinha, eu decidi cancelar a cirurgia até quando eu tivesse mais certeza que esse seria um risco que eu gostaria de tomar.
Essa escolha significava que eu não iria conseguir mais manter uma conversa sem a ajuda de um aparelho auditivo. Logo comprei o meu primeiro AASI.
Novamente, tive que aprender a me adaptar com minha nova forma de ouvir. Agora o novo desafio foi na dificuldade de ouvir em lugares com barulho de fundo. Logo descobri que não interessa quantos recursos legais um AASI pode ter, ele nunca seria comparável ao que o ouvido consegue fazer em ambientes com barulho.
Eu já havia me formado na faculdade e era mãe de um lindo menino de 2 anos de idade quando engravidei do meu segundo filho.
A gravidez e o trabalho de parto foram normais, logo quando nasceu, ainda no hospital, ele não passou seu teste de audição.
Apesar de não encontrarmos nenhuma ligação entre o que aconteceu com a minha audição e a audição dele, meu filho foi diagnosticado com perda auditiva severa a profunda nos dois ouvidos, essencialmente significando que ele nasceu surdo.
A partir desse momento, uma nova marca na minha jornada auditiva se afirmou. Primeiramente, eu estava tão focada em ajudar o meu filho que a minha perda auditiva não era mais uma prioridade. Ele era meu filho e havia nascido com pouquíssimo acesso aos sons, antes de aprender qualquer língua, antes de aprender a se comunicar. Eu passei a aprender e ensiná-lo a linguagem de sinais, eu o levei a diversas sessões de fono e passei a trabalhar como ajudante de professora em sua sala na pré-escola. Eu tomava nota de qualquer sugestão e dica que os especialistas me passavam. Eu pesquisei informações sobre a perda auditiva, aparelhos, tecnologia, e tudo que gerava ao redor desse mundo.
A primeira vez que soube que ele tinha perda auditiva, seu teste não era apurado e por isso achávamos que ele tinha uma perda moderada. Ele passou a usar o AASI com 11 meses. Conforme os primeiros anos foram passam, ficou óbvio que ele não esta captando muitos sons, não interessava que tipo de aparelho colocávamos nele.
Com 3 anos de idade, finalmente fez um teste que o diagnosticou com perda profunda. Eu fui confrontada com a opção de implantá-lo com o implante coclear ou não. Até esse momento, eu sempre achava que eu estava em um território de certa forma familiar. Afinal, eu já estava usando aparelho auditivo por alguns anos, mas o implante coclear naquela época era pra mim um universo completamente novo.
Depois de muitas pesquisas, lágrimas, medos e suporte de amigos, família e especialistas, decidimos fazer a cirugia e ele foi implantado com 4 anos de idade.
O que eu não havia notado na época é que enquanto eu o ajudava, eu também aprendi a lidar com a minha própria perda auditiva. O que eu passei parecia tão pequeno em comparação a todo o trabalho que meu filho teve que fazer para tentar aprender a se comunicar. E ele levava tudo isso tão bem. Esse era seu mundo e tudo que ele conhecia. Ele não tinha outro ponto de referência ainda, então levou isso pra frente e fez diversas conquistas.
Uma vez que tudo pareceu entrar numa certa rotina, decidi tentar finalmente enfrentar aquela cirurgia para colocar a peça protética no meu ouvido esquerdo. O cirurgião que havia sugerido isso havia mudado de estado há anos atras. Tive que procurar outro. Ninguém queria fazer a cirurgia em mim com medo de arriscar a minha audição. Mas eu estava convencida que eu já havia tido a minha lista de problemas e casos errôneos e todos os médicos concordaram que o fato de algo errado ter ocorrido com meu ouvido há anos atrás não significava que eu era mais propícia a ter problemas em cirurgias. Era um tópico controvérsio, mas tive a minha chance de colocar a peça protética no meu ouvido esquerdo.
É difícil descrever a sensação de ter a sua audição natural recuperada (mesmo que em um ouvido), mas vou tentar assim mesmo. It’s hard to describe the feeling of restoring natural hearing, but I will try. Todos os sons ao meu redor, desde o suave toque dos meus dedos contra os lençóis, até a água corrente na pia eram absolutamente, maravilhosamente ricos, cheios, intensos e mágicos. Eu chorava a cada descoberta! O motor do meu carro soou tão baixo e profundo que fez com que meu 1998 Dodge Caravan soasse como um Lamborghini para os meus ouvidos. O fechamento da porta tinha um som muito mais firme do que antes. De repente, o mundo parecia uma loja de doces, com todas as formas, sabores e cores.
Até que não foi mais. Os dias após a cirurgia começaram a ter seus próprios momentos oscilando entre ouvir apenas a alta freqüência ou a baixa frequência. Então veio a drenagem do ouvido. A prótese não conseguia se manter no lugar, movendo-se para uma posição que fazia com que meu tímpano perfurasse. Eu precisaria de outra cirurgia para remendar o tímpano e colocar a prótese de volta no lugar. Em menos de dois meses, eu estava indo para uma segunda tentativa.
Eu esperava tão fortemente que a prótese permanecesse no lugar dessa vez, eu queria ter outra chance em todos aqueles belos sons da vida. Mas meu ouvido acabou rejeitando a prótese e ela saiu do lugar novamente. Mas desta vez, ficou em tal posição que meu tímpano não foi afetado; no entanto, a prótese estava ali sentada, sem ligar nada a lugar nenhum, inútil.
Voltei a usar aparelhos auditivos, ignorando o fato de que eu tinha uma prótese inútil dentro do meu ouvido. Alguns meses depois, visitando o cirurgião de meu filho para fazer uma consulta, ele gentilmente olhou para o meu ouvido e disse que suspeitava que o Colesteatoma tinha voltado e pediu que eu fosse vê-lo para uma consulta em seu consultório, onde ele poderia dar uma olhada melhor em seu equipamento especial.
Mais uma vez, me disseram que eu precisava de cirurgia. Lá estava a pequena pele crescendo e tentando comer tudo ao redor, como Pacman. Mas esse médico não parou por aí. Ele estava determinado que havia mais que poderíamos fazer para me ajudar. Não, ele não achava que a prótese fosse uma ideia sábia, mas acreditava firmemente que eu seria uma candidata ideal para uma Prótese Auditiva Ancorada no Osso (PAAO – BAHA).
Eu já tinha ouvido falar deles antes, no passado, anos e anos atrás. É um aparelho auditivo que está ancorado nos ossos do seu crânio. Ele ignora o ouvido médio e envia os sons através dos ossos da cabeça, em vez dos ossos do ouvido médio. Perfurar um pequeno buraco em cada lado da minha cabeça soou absolutamente fora de questão na primeira vez que ouvi sobre esse procedimento. Mas os tempos eram diferentes agora. Muitos anos haviam se passado. Eu tive um filho surdo com implante coclear, que é uma cirurgia muito mais invasiva do que um implante PAAO. Eu tinha me educado e estava muito mais disposta a tentar.
Eu tive meu colesteatoma removido e coloquei o meu primeiro dispositivo PAAO. Nós só fizemos um lado no começo, então eu teria a chance de ver o quanto eu gostava e então decidir se eu queria colocá-lo do outro lado também.
Agora eu uso dois dispositivos PAAO. Eu sou surda no ouvido direito e ouço muito pouco no meu lado esquerdo. Os dispositivos fazem um trabalho maravilhoso na condução de sons para a minha cóclea, e eu me viro muito melhor do que com o aparelho auditivo. Não é jamais como uma audição normal. Eu ainda tenho meus desafios. Ambientes ruidosos, o vento, repousando minha cabeça em um travesseiro são situações que não são fáceis. Mas aprendi a me concentrar no que tenho e não naquilo que não tenho. Eu sou grata por viver nos dias de hoje, onde tenho escolhas, onde tenho mais aceitação, onde posso me comunicar verbalmente e, de uma forma ou de outra, a mensagem transmite.
O mundo da audição influenciou muito a minha vida e quem eu sou. Eu posso até dizer hoje que tenho orgulho da minha perda auditiva e estou feliz por ter crescido e aprendido tanto. Eu vivo empolgada para explorar mais informações sobre as coisas fascinantes em torno da audição e poder educar e compartilhar minhas experiências com todos envolvidos.
Eu tive a sorte de ter tantos seres humanos maravilhosos em minha vida que fizeram essa jornada melhor do que ela poderia ter sido. Há tantas crianças por aí sem o apoio e acesso a recursos, informações, médicos e equipamentos necessários.
Agora, sonho em ser uma influência positiva; uma pessoa que oferece apoio para aqueles que podem precisar de ajuda e que minha história e a minha arte sirvam de inspiração para qualquer um que se identifique com elas.